segunda-feira, 5 de julho de 2010

Contexto Histórico-Geográfico da obra As Velhas, de Lourdes Ramalho

A peça teatral As Velhas foi concebida no ano de 1975. A autora demonstra um enorme senso crítico ao tratar de forma muito clara a questão do flagelo da seca e da corrupção, que revela a indústria da seca no Nordeste Brasileiro.

A calamidade social que assola o Nordeste brasileiro é fruto da inconstância dos fenômenos climáticos que atingem a região. O Nordeste do país apresenta baixos índices de pluviosidade, principalmente na sub-região do Sertão Nordestino, no chamado polígono das secas.

A obra As velhas está ambientado neste cenário, denominado de Sertão. Como pode ser observado nos versos do personagem Chicó.

Pode chover Canivete

Quem ta falando é Chicó

Fio de dona Mariana

Macho nascido nas brenha

Do sertão de Piancó.

O espaço sertanejo da obra é delimitado ora pelo sertão de Piancó, ora por Juazeiro (não há uma definição se é Juazeiro do Norte no Ceará ou Juazeiro na Bahia, que faz divisa com Petrolina em Pernambuco). Branca diz: Mas a gente é que paga o pato. – Por que foi que se saiu do Juazeiro? Ora, cita-se o Rio Grande (possivelmente Rio Grande do Norte, já que a personagem Branca fala na região do Seridó). Sendo o Seridó uma das áreas de menor precipitação pluviométrica do Nordeste. Abrangendo parte do Rio Grande do Norte e da Paraíba.

Fica claro que os personagens são verdadeiros retirantes da seca que atinge a região sem piedade. Como na fala de Chicó: (...) Já se andou por tudo quanto é canto. Eu mesmo quase fui enterrado em Catolé do Rocha, terra em que se mata gente no meio da rua por brincadeira. Entrei lá numa fria...

A desigualdade social também é evidente, os trabalhadores rurais estão sujeitos aos mandos e desmandos do Dr. Procope personagem que detém o poder econômico e político da região onde se ambienta a obra. Além da questão social evidencia-se a corrupção e mau uso do dinheiro público, o Dr. Procope, de acordo com o texto, alista defuntos e até Pirrita, o Jumento de Zé Catota tá “ganhando” dinheiro com a frente de emergência.

A escassez de chuva no Sertão caracteriza a calamidade climática que periodicamente se abate sobre o Nordeste brasileiro, cujas sequelas são o desemprego, o sofrimento da população, o êxodo rural, caracterizado na obra pelos retirantes Mariana, Chicó e Branca. E ainda os prejuízos econômicos impostos a todos indistintamente, mas, que atinge os mais pobres de forma diferenciada.

O fenômeno da escassez de chuvas ainda é um fenômeno pouco compreendido no país. Os estados do Sul e Sudeste são os que menos compreendem tal fenômeno. Já que existe no Nordeste o que denomina-se regionalmente de Seca Verde, ou seja, chove num curto período de tempo, mas não o suficiente para encher os barreiros e açudes, o milho e o feijão até chegam a brotar, mas morrem por falta de recursos hídricos. No entanto, a Caatinga (mata branca em Tupi), que é um ecossistema exclusivamente brasileiro, encontra-se verde. O que dá a falsa impressão de que tudo vai bem para o sertanejo.

A Caatinga, é um bioma que apresenta características bem marcadas: o clima é semiárido, com baixos índices de pluviosidade, mal distribuídos no tempo e no espaço, a temperatura é elevada na maior parte do ano, os solos são rasos e pedregosos e a vegetação é xerófita, ou seja, adaptada à condição hídrica, com baixa precipitação elevada evaporação potencial. As plantas da Caatinga geralmente apresentam espinhos no lugar das folhas como forma de compensar a perda de umidade.

As personagens Branca e Mariana citam esse aspecto da Caatinga em suas falas:

Branca: É por isso que a senhora é tão seca, tão dura, tão amarga, mãe. A senhora é um espinheiro.

Mariana: Eu sei... Sou como as planta da terra – o cardeiro, o xique-xique... Elas é assim pra resistir à secura do sertão. Como podiam ser macia, delicada, se tem de viver num chão esturricado, sem água que amoleça o barro donde tiram seu sustento? – Mesmo assim sou eu – enfrento a secura dos meus dias, sem refrigério da palavra amiga, sem ajuda de um ombro ou mão que me sustente nas fraqueza, que me acarinhe a cabeça cansada de pensar, de padecer as agonia de tá só, de viver só o resto de meus dias...

Parafraseando Euclides da Cunha. A vegetação e o povo do Sertão são antes de tudo, uns fortes.

A diminuição do patrimônio dos trabalhadores rurais força às migrações por razões econômicas. É comum observar as rodoviárias apinhadas de gente tentando uma vida melhor nas grandes cidades, ou em busca de emprego nas lavouras de café e cana de açúcar como trabalhadores temporários.

Estes trabalhadores tornam-se presas fáceis dos chamados “gatos”, recrutadores de mão de obra para algum empreendimento rural que os torna “escravos” por dívida, já que a própria viagem dos trabalhadores é paga não pelo contratante, mas, pelo contratado. Quando chegam ao destino, as promessas de alojamento, comida e equipamentos eram só promessas. O “contratado” contrai nova dívida no barracão do “contratante”. Vira então uma bola de neve, já que a dívida só faz crescer.

É o trabalhador numa condição análoga a de escravo, situação encontrada tanto no Nordeste quanto pelo interior do Brasil, inclusive nas fazendas de importantes políticos.

Pode-se comparar tal situação com as frentes de emergência citadas na obra de Lourdes Ramalho.

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